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Segunda-feira, 14 de Agosto de 2006
DO LEGADO LITERÁRIO DE BOCAGE / II - Os Intelectuais e a Academia
ACADEMIA DAS BELAS LETRAS / NOVA ARCÁDIA
Sensivelmente em 1788, foi fundada por Cândido José Xavier Dias a “Academia de Humanidades de Lisboa”, que era protegida pelo poder como se deduz pela atribuição de uma sede na secretaria do Senado de Lisboa. Terá tido uma actividade restrita, de acordo com as fontes hoje existentes - realizou uma sessão fúnebre, aquando do falecimento prematuro do príncipe do Brasil e herdeiro do trono, D. José, irmão do futuro D. João VI, e publicou os poemas nela recitados, da autoria de Manuel Franco de Sequeira, Luís Correia de Amaral e França, Belchior Manuel Curvo Semedo, Domingos Maximiano Torres, bem como um elogio histórico do Padre José Manuel de Abreu e Lima.
Lutas internas, como era comum nas academias de literatos, conduziram à sua desintegração, abrindo caminho para uma nova associação.
Em 1790, com o espectro da revolução francesa no horizonte, a nobreza nacional encontrava-se receosa e na expectativa da sua evolução. Os poetas Francisco Joaquim Bingre, Belchior Curvo Semedo e Joaquim Severino Ferraz de Campos decidiram, então, formar um cenáculo literário que tinha como desiderato fazer renascer as linhas de força que presidiram à “Arcádia Lusitana”, extinta em 1774, a qual apelidaram de “Academia das Belas-Letras de Lisboa”. A estes escritores se juntaram outros, tais como José Agostinho de Macedo, entretanto libertado da prisão, e Bocage que acabara de regressar do Oriente, na sequência de uma deserção das forças armadas.
As primeiras reuniões tiveram lugar em casas particulares. De imediato, porém, a aristocracia e Diogo Inácio de Pina Manique tiveram consciência de que esta agremiação literária poderia desempenhar um papel importante na pacificação e no controlo dos intelectuais. Com efeito, as ideias ditas francesas eram amplamente divulgadas por uma profusão de livros e panfletos iluministas que a Intendência-Geral da Polícia, a Real Mesa Censória e a Inquisição não conseguiam evitar.
Não surpreende, deste modo, que o Conde de Vimieiro tenha dado a mão à academia, disponibilizando o seu palácio para a realização de reuniões. Na sequência do seu falecimento, a sua sede foi transferida para o palácio do Conde de Pombeiro, José Luís de Vasconcelos e Sousa. Os encontros da “Academia de Belas-Letras” realizavam-se sob a presidência de um seu protegido, o “beneficiado” Domingos Caldas Barbosa, Lereno Selinuntino de seu nome arcádico, oriundo do Brasil e exímio tocador de modinhas.
Nos seus encontros, “as quartas-feiras de Lereno”, como Bocage causticamente as eternizou, os intervenientes banqueteavam-se exuberantemente, Caldas Barbosa tocava as suas composições e os escritores davam livre curso à sua pouco inspirada verve poética. A excepção era o talentoso Bocage, que, em sessões públicas, na presença da aristocracia e dos soberanos, recitou, em 1791, entre outras composições, os Idílios Marítimos.
Porém, o consenso poético foi efémero e, a partir de 1792, as fricções e os ataques pessoais eram lugar comum. Com efeito, a poesia laudatória, monocórdica, servida por uma retórica empolada e monótona, a feira de vaidades, o elogio mútuo e os ditames da época, numa sociedade vincadamente hierarquizada, despoletaram sátiras virulentas, para as quais a excessiva auto-estima e a irreverência de Bocage também muito contribuíram.
Os poemas recitados durante as sessões da academia encontram-se reproduzidos nos quatro tomos do Almanak das Musas, publicado em 1793, o qual constitui uma apologia rasgada da personalidade do Conde de Pombeiro e dos seus familiares, um tributo devido ao seu mecenas. Apresenta como expoente a tradução portuguesa da Arte Poética de Boileau, bem como uma carta deste escritor ao Conde de Ericeira, tradutor daquela obra, que constam do tomo segundo. Características neo-clássicas são visíveis nos poemas que o integram, cujos autores recorrem frequentemente à mitologia e à temática greco-latina, bem como aos seus géneros poéticos. Nesta publicação, estão representados poetas como Domingos Caldas Barbosa, o mais prolixo, Belchior Curvo Semedo, Francisco Joaquim Bingre, José Agostinho de Macedo, Luís José Correia de França e Amaral, entre outros. Bocage não colaborou nesta obra, porquanto já se incompatibilizara com alguns dos seus membros proeminentes.
Em 1795, as sessões da Academia foram transferidas para o Castelo de S. Jorge, onde estava sediada a Casa Pia de Lisboa, que fora fundada por Pina Manique. Sob o controlo apertado deste autocrata, a Academia continuou a reunir e a colaborar em festividades e homenagens oficiais – casamentos, aniversários, falecimentos dos soberanos, dos príncipes e da alta nobreza -, pelo menos até 1801.
Não são conhecidos quaisquer estatutos da “Academia de Belas Letras”, cujos membros, à boa maneira neo-clássica, ostentavam pseudónimos arcádicos, entre os quais se contam os seguintes: Bocage (Elmano Sadino), José Agostinho de Macedo (Elmiro Tagídeo), Francisco Joaquim Bingre (Francélio Vouguense), Belchior Curvo Semedo (Belmiro Transtagano), Joaquim Ferraz de Campos (Alcino Lisbonense), Domingos Caldas Barbosa (Lereno Selinuntino), Luís Correia de Amaral e França (Melizeu Cilénio), Domingos Maximiano Torres (Alfeno Cíntio), Tomás António dos Santos e Silva (Tomino Sadino), António Bersane Leite (Tiónio), José Tomás da Silva Quintanilha (Eurindo Nonacriense) e outros aos quais a pena cáustica de Bocage concedeu a posteridade.
Bibliografia: Borralho, Maria Luísa Malato e Melo, Gladstone Chaves – “Academias” in Biblos – Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa. Lisboa: Verbo, 1995; Braga, Teófilo - Os Árcades. Recapitulação da História da Literatura Portuguesa. Porto: Lello e Irmão, 1918; ID. - Filinto Elísio e os Dissidentes da Arcádia. Porto: Livraria Chardron,1901; Castelo-Branco, Fernando - “Significado Cultural das Academias de Lisboa no Século XVIII” in Bracara Augusta (Braga), nº 77/78, 1974, pp. 31-57; Figueiredo, Fidelino de – História da Literatura Clássica – Continuação da 2ª Época: 1580-1756. 3ª Época: 1756-1825. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1931; Palma-Ferreira, João – Academias Literárias Portuguesas dos Séculos XVII e XVIII. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1982; Silva, Luís Augusto Rebelo da - Arcádia Portuguesa, vols. 1, 2 e 3. Lisboa: Empresa da História de Portugal, 1909.
N. B. Pesquisa de
Assis Machado