ESPAÇO COLECTIVO ARTISTICO E CULTURAL - COORDENADO PELA POETISA AMÉRICA MIRANDA - E ONDE SE INSEREM AS CONTRIBUIÇÕES DE TODOS OS TERTULIANOS, TANTO EM VERSO COMO EM PROSA, COM O OBJECTIVO DE DIVULGAÇÃO E HOMENAGEM AO GRANDE POETA ELMANO SADINO !
Sexta-feira, 16 de Junho de 2006
CRÍTICA BOCAGEANA - FALAM OS ESPECIALISTAS
HERNANI CIDADE 3
“... Uma armadura clássica na forma clássica herdada, mas trespassada, nas junturas, pela substância romântica temperamental em fervor. O ideal moral e o ideal estético eram os do mundo em que tinha sido formado e um e outro se aparentavam, no mesmo alto plano. Em ambos, como «primum movens», o princípio da ordem. Era ele que hierarquizava os valores sobre que assentava, na vida moral, a norma do procedimento, e na actividade estética, os cânones codificados da obra de arte.
Quanto à ordem moral, era ela autêntica vivência na alma de Bocage, mas modelando-lhe a vida apenas nos calmos momentos em que, sonhando e traduzindo seu sonho em verso, adormecia nele a libertinagem dos instintos. Pelo que toca à ordem estética, era-lhe infinitamente mais fácil o equilíbrio entre o que lhe sugeria a educação e o que lhe exigia o temperamento.
Orgulhava-se ele da sua capacidade de improvisação, mas dos seus autógrafos, tanto como das notas que faz ao emprego de um termo, ao uso de uma construção sintáctica, patenteia-se o esmero que ele punha no tratamento da forma, na correcção do improviso – na subordinação, afinal, ao magistério clássico, a cada passo invocado.
A diferença entre o Elmanismo e o Filintismo é, afinal, o diferente objectivo no tratamento da forma que a determina. Filinto procurava nos clássicos exemplos de “valentia” para a sua frase; Bocage, sobretudo lições de harmoniosa melodia e certas estruturas tão gratas ao engenho que as modela como que ao ouvido que lhes saboreia a música. Alguns exemplos :
Calada testemunha de meu pranto,
de meus desgostos secretária antiga,
«Quase perfeita» - disse eu. Apenas voluntariamente «imperfeita», na elegante inversão com que o segundo verso varia a estrutura do primeiro. Ele deseja que à hora da morte
Ganhe um momento o que perderam anos,
saiba morrer o que viver não soube.
Dois versos de construção paralela, cada um com sua antítese reciprocamente se reforçando. E reforçam-se, na verdade. O artista não diminui, em geral, com seus arranjos frásicos, o poder impressivo dos seus conceitos".
( continua )