ESPAÇO COLECTIVO ARTISTICO E CULTURAL - COORDENADO PELA POETISA AMÉRICA MIRANDA - E ONDE SE INSEREM AS CONTRIBUIÇÕES DE TODOS OS TERTULIANOS, TANTO EM VERSO COMO EM PROSA, COM O OBJECTIVO DE DIVULGAÇÃO E HOMENAGEM AO GRANDE POETA ELMANO SADINO !
Sexta-feira, 4 de Março de 2005
O MUNDO LITERÁRIO PORTUGUÊS - O PRE-ROMANTISMO
BOCAGE PRE-ROMÂNTICO
Detenhamo-nos nesta outra personagem-chave do panorama literário do fim do século XVIII. Figura popular da boémia lisboeta, improvisador célebre, Bocage esbanjou o seu talento em escaramuças de poetas calaceiros, clientes habituais de cafés de nomes pitorescos - proletariado intelectual resultante da mutação da sociedade portuguesa que, tendo perdido os seus mecenas, não tinha podido substituí-los. Agrupados numa «Nova Arcádia», enganavam-se eles a si próprios com uma ilusão académica que já não era do seu tempo. Situada entre duas épocas, a sua poesia não era, muitas vezes, mais do que um jogo hábil de palavras em que a cultura clássica se esvaziava de sentido. Assim fazia Bocage - mas o seu talento lançava-o mais longe, como que contra a própria vontade.
Por detrás das suas numerosas paixões, marcadas por eternos nomes de pastoras, e das suas sátiras, de rara violência, rompem a inquietação e a angústia. A obsessão da morte é o tema-chave da poesia de Bocage: a morte que ele reclama e teme - libertação, castigo ou perdão. Mas, sobretudo, uma espécie de terror permanente, uma presença nocturna que não o abandona - e que já não é o trio das Parcas, mesmo se ele ainda pode assim chamá-la. Este terror abre-se sobre o vazio, sobre o nada - sobre uma vida eterna que não seria mais do que ilusão e engano. Angustiado, o poeta gritará contra a «pavorosa ilusão da eternidade»; mas ditará no seu leito de morte um arrependimento de além tumba: «Já Bocage não sou! ...À cova escura...»
Com Bocage , é a morte e a noite ( «Oh retrato da morte, oh noite amiga» ) que surgem no sentido de modernidade dos Portugueses. Mas, com ele, a liberdade ( «mãe dos prazeres, doce Liberdade» ) adquire também uma cor nova que a França libertina ilumina, ao mesmo tempo que lhe oferece «o Deus da razão», 0 seu Deus que Bocage brandirá contra o «Deus do fanatismo», o «Deus que horroriza a Natureza». A Inquisição condenará as suas ideias filosóficas - mas não poderá nada contra o sentido da natureza que o poeta descobria traduzindo Bernardin de Saint-Pierre e Delille, já que, mesmo iludindo as descrições precisas do primeiro, ele não deixava de ser sensível às «ruínas», aos «castelos», aos «conventos abandonados» do segundo, arsenal de imagens de um gosto novo.
Chefe de fila dos Elmanistas, clã de poetas que, no limiar do Romantismo, se reclamavam da Arcádia, feliz ele próprio por usar um nome de pastor antigo, Bocage-Elmano é, contudo, um homem solitário, à sombra da morte que outros poetas só quarenta anos mais tarde sentirão. E a sua morte não deixará de ser interpretada pelos românticos de 1849 como um «suicídio» - desfecho lógico das «lutas de uma vocação incompreendida com as exigências miseráveis da sociedade». Ao mesmo tempo, um poeta ilustre insistirá sobre o seu carácter popular, vendo nele «um homem do povo», «o criador de uma poesia plebeia» ; mas vendo também nele um poeta maldito - igual a Camões, «pobre», «criminoso» e «malfadado» como ele. Camões, de quem José Anastácio da Cunha havia já denunciado, em cólera pré-romântica, o destino miserável que a pátria lhe tinha oferecido...
Um equívoco popular e anedótico se constituiu à volta da vida de Bocage, tanto quanto um equívoco literário em torno da sua obra; é preciso, porém, observar que, nele, os valores instintivos prevalecem sobre os valores culturais. O seu lugar é portanto ao lado de José Anastácio e de Gonzaga e não junto de Filinto Elísio, o chefe de fila dos Filintistas, poetas-«pastores» que vão opor-se aos Elmanistas, numa guerra pueril que precede a formação de uma consciência crítica dos problemas do Romantismo.
PRE-ROMANTISMO
In LITERATURA PORTUGUESA,
por Eduardo P. Coelho