ESPAÇO COLECTIVO ARTISTICO E CULTURAL - COORDENADO PELA POETISA AMÉRICA MIRANDA - E ONDE SE INSEREM AS CONTRIBUIÇÕES DE TODOS OS TERTULIANOS, TANTO EM VERSO COMO EM PROSA, COM O OBJECTIVO DE DIVULGAÇÃO E HOMENAGEM AO GRANDE POETA ELMANO SADINO !
Domingo, 5 de Março de 2006
UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA DE BOCAGE I - Artigo de DANIEL PIRES ( * )
BOCAGE E O BRASIL - 1
No dia 1 de Abril de 1786, a Gazeta de Lisboa anunciava a nomeação do Guarda Marinha Bocage para a Índia. Assim, aos 20 anos, o jovem poeta partia a bordo da Nau "Nossa Senhora da Vida", depois de receber da Coroa a quantia de 84 mil réis, como nos demonstra António Gedeão, num artigo da revista Ocidente.
Rumou ao Brasil, onde se encontrava o futuro Governador da Índia, Francisco da Cunha e Menezes. Da sua estada naquele país, pouco se conhece, pois não existem fontes escritas credíveis. Sabe-se, porém, que viveu na Rua das Violas, que a sua extrema empatia se revelou exuberantemente e que conviveu com o Governador do Brasil, Luiz de Vasconcellos. Na cidade do Rio de Janeiro, teve certamente uma vida de boémia, como era seu apanágio, amores tropicais que se podem entrever num poema seu escrito na época:
"............................onde murmura
O plácido Janeiro, em cuja areia
Jazia entre delícias a ternura..."
Em 1790, Bocage regressou definitivamente a Portugal, na sequência da sua missão agitada na índia, da sua deserção das forças armadas e das suas peregrinações por Cantão, cidade do sul da China, e por Macau. Remonta a este ano a publicação do seu primeiro livro, uma Elegia à morte de D. Jozé Thomaz de Menezes. No ano seguinte dá à estampa o primeiro Tomo das Rimas e a sua auréola, num meio literário de pouca qualidade, consolidou-se vertiginosamente.
Na década de noventa, Bocage escreveu febrilmente versos lapidares, ora exteriorizando a sua emotividade torrencial ora cingindo-se aos cânones clássicos, sendo a pedra de toque o talento com que cinzelava a realidade em poemas de filigrana depurada. Paralelamente, a sua vida de boémio incorrigível, o convívio quotidiano com os deserdados da fortuna, a insatisfação que manifestava perante o status quo, a sátira contundente aos aspectos mais negativos da sociedade - a hipocrisia, a mediocridade, a vaidade, a repressão generalizada, a corrupção e o obscurantismo -, a ironia corrosiva, a frontalidade e o seu repentismo granjearam-lhe uma ampla popularidade que rapidamente se propagou ao Brasil.
Na "Arcádia Lusitana", a associação de escritores da época, a sua permanência foi efémera: em breve se incompatibilizou com a paz dos cemitérios, com os chás e os bolinhos que a mão omnipotente e férrea de Pina Manique ia generosamente distribuindo, com os versos inócuos que os poetas iam debitando, com o elogio mútuo que era lugar comum. Como corolário desta rotura, nasceram polémicas violentas: Bocage redigia poemas satíricos em que nomeava explicitamente os membros da Arcádia e estes respondiam à letra no Almanak das Musas.
Domingos Caldas, brasileiro famoso pelas modinhas que tangia à viola e ainda pelos seus versos, escreveu uma quadra pouco abonatória para Elmano:
"De todos diz mal
O ímpio Manuel Maria
E se de Deus não disse
Foi porque o não conhecia".
Acusação gravosa esta para a época, que podia significar um processo inquisitorial. Bocage não se fez rogado e respondeu literalmente:
"Dizem que o Caldas glutão
Em Bocage aferra o dente
Ora é forte admiração
Ver um cão morder na gente!"
Os anos passaram ligeiros e o escritor começou a pagar a factura dos "delitos" da juventude. A sua saúde fenecia a olhos vistos. De 1800 a 1805, data da sua morte prematura, fez várias traduções do latim, dada a sua sólida formação clássica, e do francês, beneficiando obviamente do facto do avô e da mãe terem sido de origem francófona.
( Continua )
( * ) - Dr. Daniel Pires : Director do Instituto Bocageano Setubalense