ESPAÇO COLECTIVO ARTISTICO E CULTURAL - COORDENADO PELA POETISA AMÉRICA MIRANDA - E ONDE SE INSEREM AS CONTRIBUIÇÕES DE TODOS OS TERTULIANOS, TANTO EM VERSO COMO EM PROSA, COM O OBJECTIVO DE DIVULGAÇÃO E HOMENAGEM AO GRANDE POETA ELMANO SADINO !
Quinta-feira, 28 de Julho de 2005
CRÍTICA BOCAGEANA - ALMEIDA GARRETT
SEGUNDA GARRETTIANA
... A metrificação de Bocage, julgam-na sua melhor qualidade; eu, a pior; ao menos, a que piores efeitos causou. Não fez ele um verso duro, mal-soante, frouxo; porém, não são esses os únicos defeitos dos versos. As várias ideias, as diversas paixões e afectos, as distintas posições e circunstâncias do assunto, do objecto, de mil outras coisas, variada medida exigem; como exige a música vários tons e cadência. A mesma medida sempre, embora cheia e boa; o mesmo tom, embora afinado; a mesma harmonia, embora perfeita; o mesmo compasso, embora exacto, fazem monótona e insuportável a mais bela peça de música ou de poesia. E tais são os versos de Bocage, que nos pertendem dar para tipo seus apaixonados cegos: digo «cegos», porque muitos tem ele ( e nesse núnero eu me conto ) que o são, mas não cegos. Imitar com o som mecânico das vozes a harmonia íntima da ideia, suprir com as vibrações que só podem ferir a alma pelo órgão dos ouvidos, a vida, o movimento, as cores, as formas dos quadros naturais, eis aí a superioridade da poesia, a vantagem que tem sobre todas as outras belas artes; mas, quão difícil é perceber e executar esse delicadíssimo ponto. Poucos o conseguiram: Francisco Manuel foi entre nós o que mais finamente o entendeu e executou, mas nem sempre, nem cabalmente.
Porém, nos intervalos lúcidos que a Bocage deixava o fatal desejo de brilhar, nalguns instantes em que, despossesso do demónio das hipérboles e antíteses, ficava seu grande engenho a sós com a natureza e em paz com a verdade, então se via a imensidade dessa grande alma, a fina têmpera desse raro engenho que a aura popular estragou; perdeu o pouco estudo, os costumers desregrados, a miséria, a dependência, a soltura, a fome. Muitas epístolas, , vgários edílioas marítimos, algumas fábulas e epigramas, as cantatas, não são medíocres medidas de glória. Dos sonetos há grande cópia que não tem igual nem em português, nem em língua nenhuma, duma força,duma valentia, duma perfeição admirável. O resto é pequeno e pouco. A linguagem é pobre: às vezes fácil, mas em geral escassa. Sabia pouco a Língua: a força do grande instinto lhe arredava os erros; mas as belezas do idioma, só as dá e ensina o estudo. As traduções de Ovídio, Delille e Castel são primorosas.
F I M
« Ilustração Bocageana »
( Segundo Garrett )
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Troquem-se os choros em hinos mélicos,
Em ledos cantos as nénias fúnebres;
Desarreiguemos d alma
A seva dor anguífera.
Sim, adoremos, tácitos, tímidos,
O Deus terrível, dos homens árbitro,
Que empunha, que arremessa
O raio horrendo e rápido.
Tu, que professas virtudes sólidas,
Ah, não consintas, cristão, filósofo,
Que abale inútil mágoa
Tua constância rígida.
Bocage
In RIMAS