TOMÁS ANTÓNIO GONZAGA
(1744 – 1819)
Suas principais Obras:
- Tratado de Direito Natural
- Marília de Dirceu (colecção de poesias líricas, publicadas em três partes, em 1792, 1799 e 1812 - hoje sabe-se que a terceira parte não foi escrita pelo poeta); -- Cartas Chilenas (impressas em conjunto em 1863).
CARTA 5a.
Em que se contam as desordens feitas nas festas, que se celebraram nos desposórios de nosso Sereníssimo Infante com a Sereníssima Infanta de Portugal.
(...)
Enquanto, Doroteu, a nossa Chile
Em toda a parte tinha à flor da terra
Extensas, e abundantes minas de oiro;
Enquanto os Taberneiros ajuntavam
Imenso cabedal em poucos anos,
Sem terem nas Tabernas fedorentas
Outros mais sortimentos, que não fossem
Os queijos, a cachaça, e o negro fumo,
E sobre as prateleiras poucos frascos;
Enquanto enfim as negras quitandeiras
À custa dos Amigos só trajavam
Vermelhas capas de galões cobertas,
De galazes, e tissos, ricas saias:
Então, prezado Amigo, em qualquer festa
Tirava liberal o bom Senado
Dos cofres chapeados grossas barras.
Chegaram tais despesas à notícia
Do Rei prudente, que a virtude preza;
E vendo, que estas rendas gastavam
Em touros, Cavalhadas, e Comédias,
Aplicar-se podendo a cousas santas;
Ordena providente, que os Senados
Nos dias, em que devem mostrar gosto
Pelas Reais fortunas, se moderem,
E só façam cantar no Templo os Hinos,
Com que se dão aos Céus as justas graças.
Ah! Meu bom Doroteu, que feliz fora
Esta vasta Conquista, se os seus Chefes
Com as leis dos Monarcas se ajustaram!
Mas alguns não presumem ser vassalos;
Só julgam, que os Decretos dos Augustos
Têm força de Decretos, quando ligam
Os braços dos mais homens, que eles mandam;
Mas nunca, quando ligam os seus braços.
(...)
À força do temor o bom Senado
Constância já não tem; afroixa, e cede.
Somente se disputa sobre o modo
De ajuntar-se o dinheiro, com que possa
Suprir tamanho gasto o grande Alberga.
Uns dizem, que das rendas do Senado
Tiradas as despesas, nada sobra.
Os outros acrescentam, que se devem
Parcelas numerosas impagáveis
Às consternadas amas dos expostos.
Uns ralham, outros ralham; mas que importa?
(...)
Publicado no livro Cartas Chilenas (1845)
*
Lira
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado,
de tosco trato, de expressões grosseiro,
dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite
e mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!
Mas tendo tantos dotes da ventura,
Só apreço lhes dou, gentil pastora,
Depois que o teu afecto me segura
Que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
De um rebanho, que cubra monte e prado;
Porém, gentil pastora, o teu agrado
Vale mais que um rebanho e mais que um trono.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela.
In Marília de Dirceu
Nestóreos dias, que sonhava Elmano
Brilhantes de almos gostos, de áurea sorte
Pomposa fantasia, audaz transporte
As asas circiai do orgulho insano.
Plano de um númen contradiz um plano
E quer que se esvaeça e quer que aborte;
Eis, eis palpita, percursor da morte
No túmido aneurisma e desengano…
Mas da humana carreira, ainda no meio
Se a débil flor vital, sentir murchada
Por lei que envolta na existência veio,
Co’ a mente pelos céus toda espraiada,
Direi, de eternidade ufano e cheio
Adeus, oh mundo! Oh Natureza! Oh nada!
*
A frouxidão no amor é uma ofensa,
Ofensa que se eleva a grau supremo;
Paixão requer paixão, fervor e extremo;
Com extremo e fervor se recompensa.
Vê qual sou, vê qual és, vê que dif’ rença!
Eu descoro, eu praguejo, eu ardo, eu gemo;
Eu choro, eu desespero, eu clamo, eu tremo;
Em sombras a razão se me condensa.
Tu só tens gratidão, só tens brandura,
E antes que um coração pouco amoroso
Quiser haver-te uma alma ingrata e dura.
Talvez me enfadaria aspecto iroso;
Mas de teu peito a lânguida ternura
Tem-me cativo, e não me faz ditoso.
Bocage, In RIMAS
Tomara que houvesse Páscoa
Neste Mundo tão Global
Onde tudo se oferece
E nada é natural.
Tomara que houvesse Páscoa
Neste Mundo tão banal
Onde afinal tudo falta
E a ilusão é total.
Não há Páscoa sem cordeiro
Nesta passagem real
Tudo passa neste mundo
Seja por bem ou por mal.
Não há Páscoa sem redenção
Neste cortejo de horrores
Carecem os abnegados
E sobejam os delatores.
Se houvesse no mundo Páscoa
Que seria dos instalados
Dos poderosos febris
Ou dos enfatuados?
Se houvesse no mundo Páscoa
Que seria dos opulentos
Dos oportunistas vis
Ou dos reles pestilentos?
Tomara que houvesse Páscoa
Pela mão dos triunfadores
Que as armas feitas de sonho
Trocariam ódio por amores.
Tomara que houvesse Páscoa
Pomba de paz-coração
E o Mundo se elevaria
Em feliz Libertação!
Frassino Machado
SENTIMENTOS INDEFINIDOS
Tenho um vestido bordado de infinito
E o meu espírito adeja sem parar
A minha imaginação é real não é um mito
E eu navego em verdes águas do mar.
Embrenhada nas luzes do irreal
Vivendo alheada da realidade
Sinto-me um ser alado e sentimental
Que veio à terra para voar em liberdade.
Liberdade de amar um não sei quê
Angústia febril de querer e não querer
Pergunto ao Firmamento qual o porquê
De eu ser aquilo que não quero ser.
Procuro nas estrelas ao anoitecer
Fragmentos de vida sem sentido
E tento em vão compreender
O significado do meu ser tão ferido.
Necessito entregar a minh’ alma
Mas não confio em ninguém para amar
Revolvo-me em angústias, não estou calma,
Vendo farrapos de mim só a sangrar.
Se eu não me entendo, quem me entenderá?
Peço auxílio às galáxias deste mundo
Para que eu entenda se um dia virá
Novo amor ansiado e tão profundo.
América Miranda
*
ETERNA SEDUÇÃO
Não sei porque só o teu olhar me encanta
Tem algo que eu não sei explicar
Pois logo minha alma se espanta
E o meu coração faz saltar.
Naquele banco de jardim
Quando eu lá estava sentada
Vieste sentar-te ao pé de mim
E em teus olhos fiquei mergulhada.
Porque a chama do teu olhar
Quase me deixa desmaiada
E a minha boca nem precisa de falar
E dizer quanto por ti estou apaixonada.
Só uma vez na vida
Se encontra um amor assim
Já não me sinto desprotegida
Teu coração tomou conta de mim.
E logo o céu nos protegeu
Na viva chama do nosso olhar
Agora somos felizes, tu e eu,
Mergulhados neste amor
Que jamais pode acabar.
Celeste Reis
Marchas de Lisboa
SANTOS POPULARES I
Em Lisboa és o meu amor
Quero contigo dançar
Cantar cheia de fulgor
A tradição popular.
De majerico na mão
Uma quadra a namorar
E com arquinho e balão
Vamos todos a bailar.
Alegrias como estas
É difícil encontrar
Vestida toda de festas
Lisboa vai a cantar.
Nesta quadra popular
Santo António és o primeiro
Aos noivinhos abençoa
Meu Santo casamenteiro.
Vou dizer ao meu amor
Fica comigo a bailar
Eu beijos só lhe darei
Se comigo for casar.
A alcachofra floriu
Na noite de São João
Vou dizer ao meu amor
Que o amo com paixão.
Vem São Pedro abençoar
A todos estes cantares
E vamos nós celebrar
Esta Festas Populares.
No dia treze de Junho
Santo António se demove
São João a vinte e quatro
E São Pedro a vinte e nove.
Santo António não é pobre
Santo António não é rico
Já o vi vender um cravo
P’ ra comprar um majerico.
O repuxo da cascata
Deita água sem parar
É noite de São João
Vamos todos a dançar.
Ó meu rico Santo António
Leva-me contigo ao colo
Até ao extremo do mundo
Mesmo juntinho ao polo.
Ó meu São João do Porto
Santinho do alho-porro
Dos martelos e fogueiras
São João, eu sem ti morro.
Ó São Pedro, São Pedro,
São Pedro meu camarada,
Não deixes roubar as chaves
Senão vais parar à esquadra.
Inês Santos, 11º Ano H
*
SANTOS POPULARES II
Santo António de Lisboa
É um Santo enamorado
Presta atenção, ó Santinho,
Dá-me um Príncipe Encantado.
São João também ajuda
E oferece-me um manjerico
Quero um rapaz forte e belo
E, já agora, muito rico.
O São Pedro há-de abrir
As portas à Felicidade
S’ eles me derem o que peço
Dar-vos-ei a novidade.
Vamos juntos festejar
Com sardinhas e balões
Bailarico à mistura
Como alegres foliões.
Ana Pereira, 11º H
Cavaleiro Cruzado - Idade Média
O CAVALEIRO HENRIQUE
Nos primeiros tempos da Reconquista, cerca de treze mil cruzados vieram de toda a Europa para auxiliar D. Afonso Henriques na luta contra os Mouros. Entre os muitos que pereceram e que foram considerados mártires, houve um cavaleiro chamado Henrique, originário de Bona, que morreu na conquista de Lisboa e que foi sepultado na Igreja de São Vicente de Fora. À memória do Cavaleiro Henrique estão associados muitos milagres, um dos quais deixou vestígios no me de uma rua de Lisboa.
A lenda diz que logo que Henrique foi sepultado, dois dos seus companheiros, ambos cavaleiros surdos e mudos de nascença, vieram deitar-se sobre o seu túmulo de forma a que Henrique intercedesse junto de Deus pela sua cura. Em sonhos, Henrique disse-lhes que Deus os tinha curado e quando acordaram verificaram o milagre. Pouco tempo depois, morreu um escudeiro de Henrique dos ferimentos que tinha sofrido na conquista da cidade e foi sepultado também na Igreja de São Vicente, mas longe do túmulo do seu amo. O Cavaleiro Henrique apareceu em sonhos ao sacristão da Igreja e disse-lhe que queria o corpo do escudeiro junto de si. O sacristão não ligou importância ao sonho, nem quando este se repetiu na noite seguinte. Na terceira noite Henrique, novamente em sonhos, falou-lhe tão irritado com a sua indiferença que o sacristão acordou imediatamente e passou todo o resto da noite a cumprir as suas indicações. Pela manhã e apesar de ter passado toda a noite naquele trabalho, encontrava-se descansado como se tivesse dormido toda a noite.
A novidade espalhou-se e os feitos do Cavaleiro Henrique continuaram: segundo a lenda, cresceu uma palma no seu túmulo cujas folhas curavam os males de todos os peregrinos que ali acorriam. Um dia a palma foi roubada mas ficou para sempre na memória do povo através do nome de uma rua, a da Palma, na Baixa de Lisboa.
NO CAMINHO DE SANTIAGO
Mais uma vez a voar
Sobre o mar, espelho do céu,
O desejo é desbravar
O Mundo que nos acolheu.
Está tão escuro lá fora
E como tarda o chegar…
Como se anseia a aurora
Para seu esplendor desfrutar!
E eis o sol alaranjado
Que emerge de mansinho
Entre as nuvens que em bailado
Asfaltam o nosso caminho.
Vem dar-nos as boas-vindas
À nossa chegada ao Chile
E desejar-nos ainda
Um ameno mês de Abril.
Maria Clara Costa
*
PEQUENOS DEUSES CASEIROS
Pequenos deuses caseiros que brincais aos temporais,
Passam-se os dias, as semanas, os meses e os anos
E vós jograis, jogais
O jogo dos tiranos.
Pequenos deuses caseiros cantai cantigas macias
Tomai vossa morfina, perdoai vossos dinheiros,
Derramai a vossa raiva, gozai vossas tiranias,
Pequenos deuses caseiros.
Erguei vossos castelos, elegei vossos senhores,
Espancai vossos criados, violai vossas criadas,
E bebei, bebei o vinho dos traidores
Servido em taças roubadas.
Dormi em colchões de penas, dançai dias inteiros,
Comprai os que se vendem e alteai vossas janelas,
E trancai vossas portas, pequenos deuses caseiros,
Reforçai, reforçai as sentinelas.
Que é sempre um dia a menos, este dia que passa,
E cada dia a mais aumenta o preço da traição
E cada dia a mais aumenta o preço da desgraça,
E a nossa moeda não é piedade nem perdão
Porque foi temperada com todas as lágrimas da raça.
Não, pequenos deuses caseiros, não!
Sidónio Muralha
FUNDO DO POÇO
Fui de Lisboa a Pataias
De Pataias ao Juncal,
Vi moças com lindas saias
Não ficavam nada mal.
Outras, então coitaditas,
O tecido lhes faltou…
Choram as suas desditas
Deus, ao que tudo chegou!
Por este andar galopante
Toda a indústria irá cessar
A seguir vem a agravante
De não ter pão p’ ra mastigar.
Há um ditado muito antigo,
Já dizia o avozinho,
Orienta o que tens contigo
Não peças nada ao vizinho.
Faço um alerta aos do Topo,
Evitem fazer tão mal…
Chegou ao fundo do poço
Nosso lindo Portugal.
Amélia Marques
*
ILUSÃO
Abri a minha janela
Para ouvir melhor o vento
Vi uma linda aguarela
Sobre a terra e o Firmamento.
Pois só Deus sabe pintar
O céu azul e estrelado
Fazer de prata o luar
E lindas flores no prado.
A Natureza chamava
A minha alma de criança
Um rouxinol trinava
A melodia da esperança.
Do mais lindo Firmamento
Já espreitava a luz do dia
Dei largas ao pensamento
Asas à minha alegria.
Corri por vales e montes
Cantei ao sol e ao mar
Paravam rios e fontes
Para me ouvir a cantar.
Perpétua Matias
Bocage desditoso
. Bocage que nasceu a cantar, a quem o verso corria dos lábios como a veia acode às fontes, devorado de paixões violentas, queimado de desejos volúveis, mas impetuosos, possuía os dotes que enriquecem a fantasia pronta dos improvisadores e as imagens, os pensamentos e os versos multiplicavam-se com admirável facilidade.
América Miranda
. Bocage foi único, sublime e imortal. A sua poesia leva-nos aos píncaros da sublimidade.
Cremilde Pinto
. Nas margens do Sado nasce o imortal Vate. Agrilhoado, revoltado, tempestuoso com palavras a fluir como água de uma bica. Eis Bocage – o rei da improvisação.
Lídia Susana
. Bocage quando era visitado pela inspiração, quando com chama subtil a poesia vinha beijar-lhe a mente, dir-se-ia que a vida física cessava nele para só dominar a alma.
América Miranda
. Lendo os teus versos numenoso Elmano, e um novo vulgar conceito e a feliz frase, disse entre mim: “Depõe Filinto a lira já velha, já cansada, que este mancebo vem tomar-te os louros”.
Filinto Elísio
EDITORIAL
O dom da harmonia e facilidade de poetar transmitiam-se como herança na família de Bocage, da qual ele mais se distinguiu.
Desde a infância, Vate como Ovídio, ainda balbuciava e já as suas palavras acertavam com a melodia poética. No trato doméstico e nos serões familiares, achou alimento próprio para o ardor da fantasia e estímulo oportuno para os ensaios pueris da vocação. Memória prodigiosa, imaginação cujo calor e ímpeto, a proximidade da morte não esfriou de todo, foram as faculdades predominantes por que se caracterizou desde a tenra idade. Inquieto na infância e na adolescência tendo juntado à custa de mágoas e trabalhos, preciosa experiência. Na virilidade foi um homem de paixões, ralado de cuidados vãos, inimigo do repouso e escravo dos aplausos.
Estava no seu destino, ou antes, era próprio do seu carácter, que eu admiro sobremaneira, pois amo tudo o que é difícil e controverso e Bocage foi único, o meu ídolo desde a tenra idade. Os seus versos imortais são páginas de oiro na nossa Literatura, espalhando o seu perfume a todo o Universo.
América Miranda
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