NOVA ÁGUIA
Como é sabido, A ÁGUIA foi uma das mais importantes Revistas do início do século XX em Portugal. Nela colaboraram algumas das mais relevantes figuras da nossa Cultura, como Teixeira de Pascoaes – um dos seus fundadores – Jaime Cortesão, Raul Proença, Leonardo de Coimbra, António Carneiro, António Sérgio, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva.
A «NOVA ÁGUIA» pretende ser uma homenagem a essa tão importante Revista da nossa História, procurando recriar o seu “espírito” , adaptado aos nossos tempos, ou ao século XXI, como se poderá ler no Manifesto que os seus mentores escreveram – como Introdução ao N.º 1 – .
A Revista em referência está vinculada a três fidedignas Entidades: “Associação Marânus/Teixeira de Pascoaes”; “Associação Agostinho da Silva e Mil” e “Movimento Internacional Lusófono”.
Inspirando-se na visão de Portugal e do Mundo de Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva, a NOVA ÁGUIA assume-se como um órgão plural.
Congratulando-se com este oportuno evento cultural a nossa bimensal Revista – O ARAUTO DE BOCAGE – na pessoa da sua Presidente América Miranda, deseja à neófita publicação os melhores auspícios e uma longevidade que se coadune com a qualidade literária e prestigiante dos seus variadíssimos comparticipantes.
O ARAUTO DE BOCAGE
OS REIS DA TERRA
Por
Frassino Machado
Hoje é dia de Reis de toda a Terra
Que a seu capricho ditam paz e guerra
Governam sejam novos, sejam velhos,
Por seu talento têm o aval dos povos
Governam e governam-se noite e dia
E nenhum astro ou ‘strela os alumia
Têm nas mãos o cálamo da lei
E do ventre da Terra extraem grei
Têm o poder das trevas e da luz
E o brilho da riqueza que seduz
Hoje é o dia de Reis do Universo
Cujo poder se ergue controverso
Governam sejam justos ou dementes
E sorriem reinando sobre as gentes
Governam nas procelas ou bonanças
E em todas as fronteiras fazem danças
Têm nas próprias mãos o seu destino
E no seu rosto um brilho peregrino
Carecem de nobreza e pergaminhos
E nem têm noção de outros caminhos
Em si mesmos são ouro, incenso e mirra
Num império baseado na mentira
Em si mesmos são ídolos de barro
Num reinado de Trevas bem bizarro
São estes Reis que ameaçam com a espada
Que afinal não são mais que pó e nada!
Frassino Machado
In RODA VIVA
*
AMO A VIDA
Por
Graciett Vaz
Amo as andorinhas nos beirais
As portas abertas de par em par
Amo o sol que doira os trigais
E os zéfiros que os fazem ondear.
Amo a noite e os astros celestiais
A terra inundada de luar
Amo o olival, os sobros e os azinhais
As papoilas e as rosas de toucar.
Amo as tardes de horas tão amenas
Os lírios, os goivos, as açucenas
As fontes e as canções de embalar.
E neste mundo onde vivo e dou meus ais
Eu amo a vida para além de tudo o mais
Como uma preciosidade sem ter par.
**
POETA
Por
Benjamim
Eu não sou poeta
Não tenho veia de poetisa
Simplesmente escrevo versos
Porque o meu “eu” precisa:
Precisa para crescer
Precisa para desabafar
Precisa para se exprimir
Precisa para não chorar.
Quando estou triste
A minha ajuda é escrever
A escrever me revelo
E aí não posso perder.
Poesia é a minha paixão
Poesia é a minha companhia
Ela brota do coração
E acompanha-me no dia a dia…
Estes versos não são para ler
Estes versos não são para olhar
Estes versos são para sentir
Para nos ajudar a sonhar.
Cada palavra destes versos
Simboliza mil sentimentos
Lágrimas de tristeza e dor
Lágrimas de grandes momentos…
Cada sorriso exprimido
Cada risota lançada
Em todas as palavras
Está uma cena lembrada…
Uma cena, um episódio,
Um momento, recordação…
Estes poemas que brotam
Saem do meu coração!
Raquel Pereira,
In “Sentimentos de uma Adolescente”
*
O PÃO QUE SOBRA À RIQUEZA
“O pão que sobra na mesa
Distribuído pela razão
Matava a fome à pobreza
E ainda sobrava pão.”
António Aleixo
Glosa :
Por
Armando David
Ficaria agradecido
Todo o pobre
Se fosse distribuído
O pão que sobra na mesa.
Não fosse dado por esmola,
Com altiva presunção,
Ao pobre mais lhe consola
Distribuído pela razão.
Nunca faltar a ninguém
Estar presente em cada mesa
A todos fazia bem
Matava a fome à pobreza.
Se o povo com Jesus estava
E tinha fome Ele, então,
A todos alimentava
E ainda sobrava pão.
**
UN PIATTO DI CROCI
Di
Giovanni Formaggio
Non avevi più fiato Martino
Per solcare I campi
Per questo le tue ossa
Cariche di lavoro
Si son piegate
E i tuoi occhi
Standi di luce
Si sono spenti.
La morte
T’ há preso per mano
Forse per renderti
Giustizia.
Orfano
T’ avevano raccolto
Per far del bene
E tu
Avevi lavorato
Dall’ alba al tramonto
Dal tramonto all’ alba
Per ripagare
Un piatto di croci.
L’ ultima
Ieri te l’ hanno piantata
Sulla tomba.
Nel cimitero c’ è tanta pace
E il vento
Per te che non hai conosciuto
Madre
Mormora preghiera al cielo.
E su
Oltre l’ uomo
La tua anima racconta.
*
UMA BANDEJA DE CRUZES
Por
Giovanni Formaggio
Não tenho mais folgo, Martinho,
Para enfrentar as variações
Desta tua teimosia
Carente de trabalho,
Tanto no seu prolongamento
Como nos teus olhos
Embaciados de luz
De momento fatigados.
A morte segurou-te pela mão
Para render-te
Uma justiça oportuna.
Recolhi-te órfão
Por minha boa fé
E tu feito um estorvo,
Desde a alva ao pôr do sol,
Do pôr do sol até à alva,
Como recompensa
Uma bandeja de cruzes.
A última, ontem,
Em que te fui plantar
Sobre a sepultura.
No campo santo,
Ai terás a suficiente paz
E o vento por ti,
Que não conheceste mãe,
Murmurará uma prece ao Céu.
E no que interessa ao homem,
Propriamente dito,
A tua alma prevalecerá!
*
O NOSSO LAÇO
Por
Helena Bandeira
Fomos tão intensamente dois num só
Que ao olhar o espelho só a ti te vejo…
E apetece-me tanto dar-te um beijo
Mas como? Se já és apenas cinzas e pó?...
Tanta paixão, naquele querer tão intenso
Com que um ao outro nos entregámos…
Foi uma cruz que ambos carregámos
Mas exultantes por aquele amor intenso!
Era tão forte e tão estreito o nosso laço,
Firme, apertado, como um anel de aço…
Era um sentimento profundo, agridoce!
Era ternura, era amor, paixão e desejo,
E agora, sempre e em qualquer ensejo
Só vejo o teu olhar, tão terno e tão doce!
*
O TEU LUGAR ESTÁ VAZIO
Por
M. ª de Lourdes Ferreira
O teu lugar está vazio
E o cinzeiro à tua espera
À espera da fumaça
Que esvoaça a atmosfera
E o teu lugar está vazio
Esperando por ti.
Esperando que venhas sentar-te
Tanta espera e tu não chegas.
Eu, desolada, começo a soluçar
Vou buscar um lenço teu,
Para com ele
Minhas lágrimas limpar
Nossa casa está entristecida,
Par outro universo
Foste repousar…
Também um grande amor
Na minha vida,
Muito carinho e dedicação,
A homenagem que sinto por ti,
É esta minha paixão,
Minha esperança…
E um dia no Céu, me tornares a dar,
Teu coração
Quero sonhar, meu Deus,
Deixa-me apenas sonhar,
Deixa-me assim,
Continuar a amar-Te !
*
( 1877 - 1952 )
ESPERANÇA E TRISTEZA
Minha tristeza é pior que a tua dor;
Um dia, no teu ventre sentirás
Reencarnar para o mundo o teu amor:
A mesma alma, o mesmo olhar… verás!
Eu sei que há-de voltar; e assim terás
A alegria primeira, ainda maior…
E então, de novo, alegre ficarás;
Será primeiro o teu segundo amor!
Mas eu que, antes do tempo, já declino,
Quem sabe se verei o teu Menino,
Numa idade em que possa compreender?
E partirei, depois, sem lhe deixar,
Na memória, esse terno e fundo olhar,
A comovida imagem do meu ser…
Teixeira de Pascoaes
In Terra Proibida
FRASIOLOGIA BOCAGIANA
- América Miranda – “Bocage sentia-se feliz por poder escrever versos tirados do mais fundo de todo o seu ser; a sua alma não podia deixar de exteriorizar a intensa sentimentalidade libertária que o preenchia por completo. Tudo isto contribuiu para as caloniosas perseguições que lhe foram movidas por aqueles a quem desprezava, ao dar-lhes a pungente denominação de ‘Zoilos’ “.
- Lobo Mata – “Se por um ‘acaso do céu’ Bocage voltasse à Terra por três dias, por mais que escrevesse precisaria de trinta anos para ridicularizar os ‘ridículos ‘ de momento… Tantos eles são, sem se darem conta disso. Depois, talvez fosse preso,,, nunca se sabe”.
- Graciett Vaz – “Por causa desse vil metal que é o dinheiro, Bocage viu-se forçado a trocar o seu país, mas nunca deixou de ter presente em seu coração a sua amada e o pátrio Tejo aos quais ele tanto versejou”.
- Frassino Machado – “Quanto mais lemos Bocage – na sua plenitude poética – cada vez mais nos convencemos de que estamos na presença de um génio literário inconfundível. Não houve espaço do quotidiano social nem circunstância alguma temporal em que ele não tenha sido capaz de fazer a grande síntese existencial do ser humano. Estamos convencidos de que não houve senda nem tão pouco forma de vida possível que ele não tenha experimentado, muitas das vezes até à exaustão da dramaticidade, Ele foi, sem dúvida, a charneira histórica entre a mentalidade do Antigo Regime e as novas horizontalidades do pensamento contemporâneo. Não é por acaso que grandes nomes da literatura e do pensamento histórico universal o têm considerado com genialidade como um dos pilares fundamentais da modernidade”.
- Celeste Reis – “Bocage sempre foi um acérrimo defensor da liberdade. Não há palavras, por mais expressivas que sejam, que possam traduzir o esplendor a fulgurância incomparável que faziam brotar do seu génio. Todo aquele arsenal de luz que sempre deu à sua poesia, sem todavia poder aliviar o sofrimento que o amor tão impiedosamente fez sangrar a alma e o coração do maior e do mais brilhante poeta da nossa história”.
- Armando David – “A imortalidade traduz-se pela obra que se deixa e expande. Já Camões dizia:’Aquele que por feitos gloriosos se vai da lei da morte libertando…’ Os feitos de Bocage falam por si, na sua obra poética sublime. Bocage é um poeta imortal.
- Cremilde Pinto – “Bocage-Poeta, boémio,revolucionário, clássico e sedutor… Figura ímpar no estremecimento vital do Romantismo, merece pois entre todos, o preito do nosso louvor”.
EDITORIAL BOCAGIANO
Notava-se que Manuel Maria de Barbosa du Bocage já se encontrava bem impregnado da atmosfera da sua época. O contrário é que seria de admirar. No entanto, a resolução do problema amoroso continuava a ser básico para o seu espírito. Dir-se-ia estar persuadido de nunca atingir um nível de tranquilidade razoável, enquanto não se lhe deparasse a mulher a quem pudesse confiar-se inteiramente.
Precisava de uma alma gémea, capaz de compreendê-lo, de vibrar nos mesmos anseios de beleza, de incitá-lo a aproveitar, as faculdades que poderiam erguê-lo a uma esfera social mais alta. Amoroso por temperamento, só guiado pela mão suave mas firme de uma mulher devotada, entraria num rumo mais nobre da existência, Chegou a ser dramática a sua ânsia de buscar entre as “moças mil” por ele cortejadas, ansiando ofertar à sua eleita o tesouro de ternura que possuía na grandiosidade da sua alma.
Quem pode compreender em absoluto um espírito irrequieto e sofredor como foi o nosso Bocage? Talvez só quem como ele amou dessa maneira.
América Miranda
In O ARAUTO DE BOCAGE, N.RS 123/124, Abril de 2008
INSÓLITA VERDADE
Por
Fernando do Amaral
Amar com alegria ou com tristeza,
com inocente amor sempre fogoso,
com forte e sério amor bem precioso
é inefável dom da Natureza.
Amar frágil donzela só pureza,
sensível dama com ar caprichoso,
a vibrar coração todo ardoroso,
é próprio de quem ama com viveza.
Ah, como o sentimento é tão mutante
e vai esfriando aos poucos ansiedade,
a fogosa paixão, amor excitante,
A ficarem num mundo de saudade,
como transformam a alma delirante,
a paixão em amor, em amizade.
*
LONJURA
Por
Félix Heleno
Se de mim eu ando, enfim, sempre distante,
por não querer ser igual ao meus destino,
por que é que teimo em não ser pequenino
para aprender a ser seu semelhante?
Por que é que ando a correr tão inconstante
para ser o mais forte e até divino,
que quanto mais errante, peregrino,
mais longe estou de mim a cada instante?
Por que é que ando assim tão ofegante
a querer mostrar que sou deslumbrante
nesta escada sem degraus que não tem fim?
Por que é que eu hei-de andar nesta loucura
a procurar-me sempre na lonjura
se eu sou o Ser que está dentro de mim?
***
MINHA ORAÇÃO
Por
Carmen Sala
Elevo a Ti, Senhor, mina oração
como a um amigo Santo e mais dilecto.
Deponho em Tuas mãos meu coração,
venho falar-te de ânimo aberto.
Aceita, ó Senhor, a minha oração
do pouco que por minha fé é dado,
viver eu quero em santa rectidão
fugindo para sempre ao pecado.
Sejas Tu p’ ra mim, Senhor, Amor e Luz,
anseio com ardente fé Teu perdão.
De joelhos, caída aos pés da Cruz,
elevo a Ti, Senhor, minha oração!
*
NA MINHA MENTE
Por
Helena Bandeira
Na minha mente
tenho teu rosto,
na minha pele
teu odor,
na mina boca
mantenho teu gosto
e no meu coração...
retenho
o nosso amor!
De repente,
inteira fico
e algo me impele.
Um sabor
que desdenho
mas me põe louca.
Matreira,
se insinua a emoção...
Suplico
abraçada à minha dor!
*
Os meus links