ESPERANÇA AMOROSA
Grato silêncio, trémulo arvoredo,
Sombra propícia aos crimes e aos amores,
Hoje serei feliz! --- Longe, temores,
Longe, fantasmas, ilusões do medo.
Sabei, amigos Zéfiros, que cedo
Entre os braços de Nise, entre estas flores,
Furtivas glórias, tácitos favores,
Hei-de enfim possuir: porém segredo!
Nas asas frouxos ais, brandos queixumes
Não leveis, não façais isto patente,
Quem nem quero que o saiba o pai dos numes:
Cale-se o caso a Jove omnipotente,
Porque, se ele o souber, terá ciúmes,
Vibrará contra mim seu raio ardente.
Bocage
Ó TU, CONSOLADOR DOS MALFADADOS
Ó tu, consolador dos malfadados,
Ó tu, benigno dom da mão divina,
Das mágoas saborosa medicina,
Tranquilo esquecimento dos cuidados:
Aos olhos meus, de prantear cansados,
Cansados de velar, teu voo inclina;
E vós, sonhos d'amor, trazei-me Alcina,
Dai-me a doce visão de seus agrados:
Filha das trevas, frouxa sonolência,
Dos gostos entre o férvido transporte
Quanto me foi suave a tua ausência!
Ah!, findou para mim tão leda sorte;
Agora é só feliz minha existência
No mudo estado, que arremeda a morte.
Bocage
BOCAGE VERSUS TRADIÇÃO I
Ironia de um destino infeliz que se prolongou para além da morte: Bocage é hoje ainda para o rural analfabeto da mais remota aldeia, para o garoto precoce das ruas, para a regateira dos mercados de Lisboa – Bocage é hoje ainda apenas um grande farçola, descarado e vadio, que dava respostas a tempo e tratava as coisas pelo nome. E ante essa imagem tosca fixada na tradição, pouco mais que um nome de personagem cómica a autorizar dichotes de mau gosto, acode-nos a palavra do poeta na agonia: «Já Bocage não sou».
Dizia-o na hora da suprema renúncia, sentindo que já a mesma personalidade se lhe desagregava e diluía nas sombras do fim: «Já Bocage não sou».
Mas, repetimo-lo nós, involuntariamente, imaginando o que o poeta diria se visse o que dele resta na tradição popular: já Bocage não é, com efeito, esse Bocage de feira; a máscara grosseira e deslavada oculta o rosto fulgurante de um dos maiores líricos portugueses – o maior do Século XVIII.
Ironia de um destino estranho. Porque Bocage odiou justamente as formas inferiores de contacto com o público e estigmatizou a “literatura de cordel»,a insulsa trivialidade dos almanaques, a venda ambulante de livros que rebaixava ao nível de vil mercadoria a obra pura do espírito. E muitos dos seus contemporâneos experimentaram o vigoroso sarcasmo com que chicoteava os traficantes de literatura barata.
Se Bocage soubesse que o seu nome assina hoje tanta piada insulsa e ordinária, riria talvez – ele que em tantas vezes soube rir de si mesmo – , riria com aquele riso de imortalidade que já antevia, ao sentir-se resvalar na decadência do fim: «Eis, no marco fatal, meu fim terreno! / Mas surgirei nos astros / Para nunca morrer! / Com riso impune, / Lá, zombarei da sorte».
Não foi, na verdade, com esta fama popular, aviltante, que Bocage sonhou. Tê-la-ia desdenhado e repelido se pudesse conhecê-la. Foi pela imortalidade do seu puro nome de poeta que se bateu sem descanso. Foi com a esperança dessa imortalidade que se consolou, nas horas amargas, das misérias do seu destino. Mais, ainda: foi ela que lhe permitiu encarar com serenidade quase alegria a morte próxima. A antevisão do pranto que os seus compatriotas fariam por ele, a certeza de permanecer na memória dos homens, arrancou-lhe alguns desses brados triunfais em que a sua lira é fértil, e modelou em frases lapidares uma exaltação que tem alguma coisa de teatral e de comovedoramente ingénuo – a volúpia das homenagens póstumas: «Meus dias murcharão, mas não meus louros».
( Cont. )
MEU CORPO NU ...
Por
Helena Bandeira
Meu corpo nu...
Meu corpo nu e tenso,
meu Ser absorto num vazio imenso!
Imagino que és tu...
Julgo serem os teus
os passos que oiço,
que afinal são os meus!
E em teus braços me baloiço,
em teus braços me aninho...
Meu corpo nu ao teu se cola,
o meu Eu encontrou seu ninho
e de ti não se descola!
Nossos corpos se entrelaçam,
nenhum de nós respira,
cada um de nós é uma espira
da espiral que agora somos!
Duas almas gémeas se enlaçam...
E dos dois seres que já fomos
hoje, apenas um de nós o é,
Eu... sozinha com a minha Fé!
Meu Ser absorto num vazio imenso!
Meu corpo nu e tenso...
Meu corpo nu!...
*
QUE VENHA A LUZ DO DIA !
Por
Fernando Eloy do Amaral
Já vem chegando a noite e o pavor
a quem vive na triste solidão,
sentindo magoado coração
com eterna saudade dum amor.
A vida vai perdendo o seu frescor
e ganhando constante perdição.
Como um sonho ficou desilusão
tornando uma doçura em amargor.
Como a vida tão bela e colorida,
a viver o real, a fantasia,
vai tendo prazer, dor, sempre em seguida.
Nesta noite, de insónia e agonia,
com negrura na alma entristecida,
que venha, a pouco e pouco, a luz do dia.
***
RUMO AOS NOSSOS FADOS
Por
Graciett Vaz
Se nossos segredos não contamos
por opressão dos mortais nos destruímos
vamos morrendo naquilo que sentimos
e deixamos de estar onde estamos.
Assim vivemos uma vida onde não reflorimos
envolvidos nas formas que inventamos
arranjamos cicatrizes em pontos extremos
e sem querer aos poucos e poucos nos perdemos.
Não sejamos escravos dos nossos segredos
não ponhamos água fria na fogueira
não vivamos presos a tempos passados.
Apregoemos a justeza do amor à nossa maneira
enleados no rumo dos nossos Fados
e sejamos felizes até que Deus queira.
*
CRIANÇA
Por
Eugénia Chaveiro
Nasceste és uma flor
és fruto do amor
amor podes dar
mostrarás ao mundo
que os momentos lindos
não podem transformar
nem em lágrimas, nem fome,
onde a guerra não dorme
num grito fecundo
alerta a Humanidade
não quero ouvir gemidos
quero cantar o hino à liberdade!
In “Degrau para um horizonte”
MAGIA
Por
Perpétua Matias
Guitarra tanta magia
encanta-me o teu trinado
pões tristeza e alegria
mistério neste meu fado.
Por mau agoiro do destino
a sorte me desampara
acalenta-me o teu hino
tão bem que tocas guitarra.
São mais pequenas as horas
se acompanhas meu pranto
se choro, comigo choras,
minh’ alma não sofre tanto.
O teu soluçar baixinho
meu sofrimento conforta
é um bater de mansinho
uma esperança à minha porta.
*
ILUSTRE ROSEIRA
Por
Amélia Marques
Pelo aniversário de América Miranda,
fundadora e Presidente da Tertúlia.
Mais uma Primavera passada
cheia de vida e esplendor,
por todos nós desejada
com saúde, paz e amor.
Maio, o mês de lindas rosas,
cada qual de sua cor,
inspiram a lindas prosas
e a poemas de amor.
Não há rosas sem espinhos
nem roseira sem rosa,
os chuviscos miudinhos
fazem dela a mais formosa.
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