ESPAÇO COLECTIVO ARTISTICO E CULTURAL - COORDENADO PELA POETISA AMÉRICA MIRANDA - E ONDE SE INSEREM AS CONTRIBUIÇÕES DE TODOS OS TERTULIANOS, TANTO EM VERSO COMO EM PROSA, COM O OBJECTIVO DE DIVULGAÇÃO E HOMENAGEM AO GRANDE POETA ELMANO SADINO !
Quinta-feira, 16 de Setembro de 2004
A TRIBUNA DOS POETAS 16 (*)
EXTRAVASAR
Por Ângelo Rodrigues
Oiço
com os olhos
uma sinfonia
de pirilampos.
É noite luarenta
e
mais uma vez.
estou em fuga
à monotonia
da normal (idade).
E acon-te-ce-me um ser
hermafrodita
que se assoma e diz:
EXTRAVASA-TE ( ! )
e fiquei,
estonteante,
hilariante,
ébrio
de orgasmos mil.
Adeus vida (!)
Vou prender-me
no labirinto
dos deuses-menores.
Ângelo Rodrigues
In UM BAILADO NO CENTRO DA ALMA
A TRIBUNA DOS POETAS 15 (*)
OS OUTROS
Por Júlio Roberto
O que sentirão os outros,
que não são eu ?
Serão como eu,
ou serão como eles ?
Se são como eu,
não pode haver tantos eus
Mas se não são,
estou só no mundo ?
Então, onde é que estou?
Quem sou, que não sou,
sendo embora como os outros
o que não sou.
Bem, sou também os outros
e os outros o que são?
São eles, sem ser eu
se são eles não sou eu...
Mau. Eu e os outros...
Eu quero lá saber!
Sou eu,
mesmo sem perceber quem sou...
Júlio Roberto
In PEDAÇOS DE MIM
A TRIBUNA DOS POETAS 14 (*)
QUADRO DE RUA
Por Luis Gonzaga Tavares
Vi, com frequência, em certa rua da cidade,
sempre o mesmo quadro de apelo à caridade.
Aquela pobre mãe, ( solteira ou casada? )
ainda jovem e de roupa remendada,
De olhar tristonho e mão aberta para a frente
pedia para o seu bebé, ali, doente.
Era, na verdade, um quadro confrangedor!
Mas era, para a mãe, também consolador
Chegar à noite a casa, ao fim de cada dia,
e festejar as mil moedas que trazia.
... Efectivamente rendia um dinheirão
aquela farsa de bebé de papelão!...
Luís Gonzaga Tavares
In SERENATA À SAUDADE
Quarta-feira, 15 de Setembro de 2004
ESTRATÉGIA E INTELIGÊNCIA DE BOCAGE !

Não chores, cara esposa, que o Destino
manda que parta, a guerra me convida;
a honra prezo mais que a própria vida
e se assim não fizera, fora indigno.
"Eu te acho, meu Conde, tão menino
que receio..."- Ah! Não temas, não, querida,
a francesa nação será batida,
este peito, que vês, é diamantino.
"Como é crível que sejas tão valente?"...
Eu herdei o valor de avós, e pais,
que essa virtude tem a ilustre gente.
"Porém se as forças forem desiguais?..."
Irra, condessa! És muito impertinente!
Tornarei a fugir, que quereis mais ?
Manuel Maria du Bocage
In SONETOS
Segunda-feira, 13 de Setembro de 2004
A GRANDE TERTÚLIA POÉTICA ANUAL EM HOMENAGEM A BOCAGE
Crónica de
Assis Machado
Eram dezassete horas e quinze minutos de um dia cinzento mas quente, de sol envergonhado, com matizes apesar de tudo de boa disposição.
O público simpatizante e ávido, mas sereno, compareceu em número bastante razoável. A plateia estava praticamente repleta. Um pequeno atraso, já tradicional, de alguns artistas e actores convidados, não perturbou a Sessão que, apresentada pela nossa Presidente América Miranda, se iniciou com o hino da Tertúlia Bocage Sonhador o qual toda a gente cantou orientada pelas cópias do texto distribuídas previamente por duas entusiasmadas tertulianas.
Em primeiro lugar foram chamados a subir ao palco alguns dos convidados presentes, respectivamente, Ruy de Carvalho, João de Carvalho, Joaquim Nicolau e António Sala. Cada um deles, à sua maneira, contaram ou declamaram o que lhes ia na alma, a respeito de Bocage, da sua vida e do seu grande significado não só para as Letras como para a Cultura Nacionais. Todos eles foram muito aplaudidos pelos presentes, que apreciaram as suas actuações.
A seguir assistiu-se a uma sequência de fados, com acompanhamento de um ilustre grupo de guitarristas. Brilharam os fadistas Esmeraldo Sampaio, Flora Silva e Mário Rodrigues. Interpretaram com bom desempenho diversos fados conhecidos, sendo muito aplaudidos.
Em seguida, subiram ao palco os primeiros tertulianos para recitarem com competência temas poéticos, ora de Bocage, ora da própria autoria. Ali passaram Mário Jorge, Júlio Roberto, Celeste Reis e Félix Heleno. Todos estes tertulianos poetas actuaram com muito agrado.
Seguiu-se um momento de interpretação e canto por parte do dueto Vanessa Gomes e Ângelo Rodrigues. A primeira, vocalista de bom timbre e este um exímio violista. O dueto conseguiu uma prestação bem coordenada e agradável. Após esta actuação cantou à viola, duas canções de sua autoria, o autor desta crónica, cujos temas foram igualmente apreciados.
E mais uns momentos de boa poesia se seguiram, nas actuações sucessivas de Graciett Vaz, América Miranda, Lourdes Agapito e Armando David, que todo o auditório muito apreciou e aplaudiu.
Chegou o momento de entrar em cena o conhecidíssimo Grupo de Jograis O Seu Contrário, composto por Cristina Estrompa, Pedro Mulder e Von Trina. Interpretaram com alto brilho duas poesias alternadas com interlúdios musicais. Agradaram plenamente.
A partir daqui desfilaram os últimos tertulianos desta Sessão Anual, sucessivamente Perpétua Matias, Amélia Marques, Eugénia Chaveiro, Lourdes Gonçalves, Manuel dos Santos e Francisco de Assis. As suas interpretações poéticas pautaram-se pelo mesmo nível das anteriores.
E, dado o adiantado da hora, a apresentadora encerrou a Grande Tertúlia, com a competência e sabedoria que lhe são próprias apanágio de quem é verdadeiramente a alma viva deste Evento tendo recebido alguns ramos de flores bem assim manifestações de apreço de todos os presentes.
América Miranda, após anunciar os próximos eventos bocageanos, não deixou de agradecer a presença entusiasmada de todos os que assistiram à Grande Tertúlia Anual em honra de Bocage, tendo por outro lado agradecido, na pessoa do Exmo. Vogal da Cultura da Junta de Freguesia de Benfica, a disponibilidade generosa do magnífico Auditório Carlos Paredes para realizações desta natureza. E todos se despediram até ao ano.
Assis Machado
Domingo, 12 de Setembro de 2004
A TRIBUNA DOS POETAS 13 (*)
NÃO DEVIAS DEIXAR-ME
CRESCER ...
Por Isabel Ribeiro
Mãezinha querida,
Devias deixar-me
Viver na ilusão
De ser sempre pequenina,
Brincar com bonecas,
Feitas de trapos
E de contas coloridas!
Daquelas bonecas
Que não falavam nunca,
Mas que eu entendia!
Viver sempre rodeada,
Dos teus beijos e abraços!
Mas, eu cresci!
E fiz da minhalma
E do meu corpo
Farrapos...
Farrapos...
Só farrapos...
Isabel Ribeiro
In FARRAPOS... SÓ FARRAPOS
A TRIBUNA DOS POETAS 12 (*)
MAIS FORTE DO QUE EU
Por Armando David
Eu já pensei, certo dia,
Não mais escrever poesia
E perder esta mania
De rabiscar no papel.
Mas, por mais que a alma tente,
Não consegue, não consente,
Ela não me larga a mente;
Está-me incrustada na pele !
Armando David
A TRIBUNA DOS POETAS 11 (*)
AO JÚLIO ROBERTO
Por Fernando Eloy do Amaral
Este viver dormindo e acordar,
Este estar vivo, em vária condição,
Sabendo que existir tem perdição,
É mistério profundo a desvendar.
Que inefável sentir, sempre a vibrar,
A lúcida razão e o coração
Unidos em sagrada comunhão
Num doce amor fecundo de encantar.
Como sentimos força concebida
Nesse tempo real que vai passando
Até chegar a hora da partida.
Levamos nesta vida divagando
E depois de perdermos nossa Vida
Só ficamos em pó sempre Sonhando.
Fernando Eloy do Amaral
A TRIBUNA DOS POETAS 10 (*)
O MEU RIO E EU
Por Humberto de Castro
Eu penso neste rio e na espuma do nada
e, quanto mais me afasto, mais me recordo
e lembro-me bem dos ventos do meu Tejo
que me falam baixinho
e fazem rodar os moinhos e me baixam os braços.
Os ventos do meu Tejo trazem-me as nuvens
que não voltam mais...
E a minha alma está no Tejo
invisível e ligeiro...
e a água à superfície,
como se mais ninguém houvesse,
faz-me ouvir como um eco
as ondas do Atlântico
- um trovão submarino
que só a mim fala !
Mas só me ouço a mim
e sou a água parada !
O meu olhar
só tem o reflexo de ti.
Eu sou a água estagnada
que espera ser navegada !
Humberto de Castro
In POEMAS SEM MÁSCARA
A TRIBUNA DOS POETAS 9 (*)
SE
Por Félix Heleno
Se a justiça fosse verdadeiramente
A mais digna expressão do pensamento,
O mundo reduzia o sofrimento
Em mais de cem por cento no presente.
E se o passado fosse simplesmente
A raiz de uma cultura em movimento,
O futuro não seria tão cinzento
Na sperança de quem quer viver contente.
E se o homem fosse mais benevolente
Em vez de andar praí escravizado
À procura de ganhar e de perder,
O passado reflectia no presente,
O futuro já estaria edificado
Na mais bonita forma de viver.
Félix Heleno
In GRÃO DE PÓ DE SONHO ETERNO