ESPAÇO COLECTIVO ARTISTICO E CULTURAL - COORDENADO PELA POETISA AMÉRICA MIRANDA - E ONDE SE INSEREM AS CONTRIBUIÇÕES DE TODOS OS TERTULIANOS, TANTO EM VERSO COMO EM PROSA, COM O OBJECTIVO DE DIVULGAÇÃO E HOMENAGEM AO GRANDE POETA ELMANO SADINO !
Sexta-feira, 30 de Julho de 2004
ILUSTRES POETISAS 7 - CECÍLIA MEIRELES
CECILIA.jpg
Filha de Carlos Alberto de Carvalho Meireles, funcionário do Banco do Brasil S.A., e de D. Matilde Benevides Meireles, professora municipal, nasceu a 7 de novembro de 1901, na Tijuca, Rio de Janeiro, Cecília Benevides de Carvalho Meireles foi a única sobrevivente dos quatros filhos do casal. O pai faleceu três meses antes do seu nascimento, e a mãe, quando Cecília ainda não tinha três anos. Criou-a, a partir de então, sua avó D. Jacinta Garcia Benevides. Escreveria mais tarde:
"Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno.
(...) Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade.
(...) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano."
Diplomando-se pela Escola Normal em 1917, passou a exercer o magistério primário em escolas oficiais do antigo Distrito Federal. De 1930 a 1934, manteve no Diário de Notícias uma página diária sobre problemas de educação. Nesse último ano, criou a primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro, ao dirigir o Centro Infantil, que funcionou durante quatro anos. De 1936 a 1938, lecionou Literatura Luso-Brasileira e Técnica e Crítica Literária, na Universidade do Distrito Federal (hoje UFRJ). Realizou numerosas viagens aos Estados Unidos, à Europa, à Ásia e à África, fazendo conferências, em diferentes países, sobre Literatura, Educação e Folclore, em cujos estudos se especializou. Em Deli, o Presidente da República da Índia conferiu-lhe o diploma de doutor honoris causa da Universidade. Colaborou ainda, ativamente, no jornal A Manhã e na revista Observador Econômico.
Aposentou-se em 1951 como diretora de escola, porém continuou a trabalhar, como produtora e redatora de programas culturais, na Rádio Ministério da Educação.
A concessão do Prêmio de Poesia Olavo Bilac, pela Academia Brasileira de Letras, ao seu livro Viagem, em 1939, resultou de animados debates, que tornaram manifesta a alta qualidade de sua poesia.
Casada em 1921 com o pintor português Correia Dias, teve três filhas: Maria Elvira, Maria Matilde e Maria Fernanda, esta última artista teatral consagrada. Enviuvando-se, casou-se em 1940 com o professor Heitor Grilo. Deixou cinco netos. Faleceu no Rio de Janeiro a 9 de novembro de 1964, sendo-lhe prestadas grandes homenagens públicas. O Governo do então Estado da Guanabara denominou Sala Cecília Meireles o grande salão de concertos e conferências do Largo da Lapa. Há uma rua com o seu nome, na cidade portuguesa de Benfica.

MURMÚRIO

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!


REINVENÇÃO

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.


RETRATO

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?


O MENINO AZUL


O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.

O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
— de tudo o que aparecer.

O menino quer um burrinho
que saiba inventar histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.

E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.

(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Ruas das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)


Cecília Meireles
In POESIAS


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Quinta-feira, 29 de Julho de 2004
A TRIBUNA DOS POETAS 20
POETAS DO MEU PAÍS

Por Euclides Cavaco

Aos que a nossa Língua Pátria
Cantaram em poesia,
Presto aqui minha homenagem,
Nesta leve cortesia.

Lembro Camões e Pessoa,
João de Deus e Florbela,
Miguel Torga e Alorna
E, outros estros como Ela.

Bocage e João Vilarett
E Artur Ribeiro, entre tantos.
Natália, Aleixo e Nemésio,
Zeca Afonso e Ary dos Santos.

O Pedro Homem de Melo,
José Régio e Gedeão.
Augusto Gil e Valério,
Namora e Carlos Paião.

João de Barros e Almada
E Correia de Oliveira.
O Frederico de Brito
E Afonso Lopes Vieira.

Fica a eterna gratidão,
Aos poetas em geral,
Que na sua inspiração,
Nos cantaram Portugal !...



Euclides Cavaco
In POETAS DO MEU PAÍS


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A TRIBUNA DOS POETAS 19
ALDEIA DO INTERIOR

Por António Sala


Cresci numa aldeia do interior,
de casas mal pintadas.
Ruas estreitas,
mal iluminadas
e campos floridos em redor.

Cresci numa aldeia do interior,
onde em cada casa há uma varanda,
vasos de barro
e flores à janela,
um cão vadio é ali a sentinela.

Cresci numa aldeia do interior
com uma ponte sobre o rio
e o velho moinho
já cansado,
a mastigar o pão que mata o frio.

Cresci numa aldeia do interior
onde uma “chanfana”
é carne assada
na caçoila.
O vinho é bem tirado
e quem vier depois
terá sempre um lugar ao nosso lado.

Minha aldeia, minha aldeia,
avenidas de alecrim,
fontanário de cântaros sem fim.
Minha aldeia, minha aldeia,
sons de sino a repicar
ou que, dolentes, avisam
que um de nós nos vai deixar.


António Sala
In PALAVRAS DESPIDAS DE MÚSICA


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ILUSTRES POETISAS 6 - IRENE LISBOA
IRENE.jpg
Irene do Céu Vieira Lisboa (1892-1958) nasceu no Casal da Murzinheira, Arruda dos Vinhos, e faleceu em Lisboa. Formou-se pela Escola Normal Primária de Lisboa e fez estudos de especialização pedagógica na Suíça, França e Bélgica, tendo contactado com Piaget, em Genebra. Foi um dos nomes mais importantes da "escrita feminina" portuguesa do século XX. Estreou-se em 1926, com o livro de contos, 13 Contarelos a que se seguiram dois livros de poesia. Também sob os pseudónimos de Manuel Soares e João Falco, é autora de uma vasta obra, pouco conhecida, que se reparte entre a ficção intimista e autobiográfica, a crónica, o conto (para crianças e adultos), a poesia, a pedagogia e a crítica literária. Professora primária e pedagoga de grande mérito e activa intervenção cívica, era amiga de José Rodrigues Miguéis e foi colaboradora da Seara Nova. A sua escrita é, por vezes, considerada como inserindo-se no "saudosismo", tendência da literatura portuguesa que radica na obra de Teixeira de Pascoaes e no grupo da Renascença Portuguesa e que se mantém relativamente à margem das correntes estéticas suas contemporâneas. No entanto, a sua sensibilidade crítico-poética é difícil de encaixar seja em géneros convencionais, seja em correntes literárias conhecidas. De todas as escritoras suas contemporâneas, Irene Lisboa é, sem dúvida, aquela que recebeu maior reconhecimento crítico, nomeadamente de José Régio, João Gaspar Simões e Vitorino Nemésio. No entanto, a sua obra não pareceu merecer grande popularidade junto do grande público.

CHUVOSO MAIO

Deste lado oiço gotejar sobre as pedras.
Som da cidade ...
Do outro via a chuva no ar.
Perpendicular, fina,
Tomava cor, distinguia-se contra o fundo das trepadeiras do jardim.
No chão, quando caía, abria círculos nas pocinhas brilhantes, já formadas?
Há lá coisa mais linda que este bater de água na outra água?
Um pingo cai
E forma uma rosa... um movimento circular, que se espraia.
Vem outro pingo
E nasce outra rosa... e sempre assim!

Os nossos olhos desconsolados,
sem alegria nem tristeza,
tranquilamente vão vendo formar-se as rosas,
brilhar e mover-se a água...


AFRODITE

Formosa.
Esses peitos pequenos, cheios.
Esse ventre, o seu redondo espraiado!
O vinco da cinta, o gracioso umbigo, o escorrido
das ancas, o púbis discreto ligeiramente alteado,
as coxas esbeltas, um joelho único suave e agudo,
o coto de um braço, o tronco robusto, a linha
cariciosa do ombro...
Afrodite, não chorei quando te descobri?
Aquele museu plácido, tantas memórias da Grécia
e de Roma!
Tantas figuras graves, de gestos nobres e de
frontes tranquilas, abstractas...
Mas aquela sala vasta, cheia, não era uma necró-
pole.
Era uma assembleia de amáveis espíritos, divaga-
dores, ente si trocando serenas, eternas e nunca
desprezadas razões formais.

Afrodite, Afrodite, tão humana e sem tempo...
O descanso desse teu gesto!
A perna que encobre a outra, que aperta o corpo.
A doce oferta desse pomo tentador: peito e ventre.
E um fumo, uma impressão tão subtil e tão pro-
vocante de pudor, de volúpia, de reserva, de
abandono...
Já passaram sobre ti dois mil anos?

Estranha obra de um homem!
Que doçura espalhas e que grandeza...
És o equilíbrio e a harmonia e não és senão corpo.
Não és mística, não exacerbas, não angústias.
Geras o sonho do amor.

Praxíteles.
Como pudeste criar Afrodite?
E não a macerar, delapidar, arruinar, na ânsia de
a vencer, gozar!
Tinha de assim ser.
Eternizaste-a!
A beleza, o desejo, a promessa, a doce carne...


Irene Lisboa
In POESIAS


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Quarta-feira, 28 de Julho de 2004
A TRIBUNA DOS POETAS 18

A BOCAGE

                                                                      Por  Frassino Machado

 

Máximo dom da natureza-mãe

Anseia toda a gente recolher

Numa busca incessante p’ ra fazer

Unir o sentimento que sustem

Engendrando com versos da razão

Levantados na alma e coração.

 

Muita é a garra q ’urge registar

Abarcada no poeta a existência

Reforçando a verdade e a diligência

Importa agora est’ arte sublimar

Até que a fiel justiça ganhe essência.

 

Bocage, que desta arte és timoneiro,

Apreende à tua luz o apaixonado

Realizando o projecto destinado.

Bocage, o teu estro é verdadeiro,

Onde a injustiça medra com furor,

Sais sempre a defender o desgraçado

Acima do que podes com humor.

 

Do combate leal és pregoeiro

Unindo o teu sonhar ao mundo inteiro...

 

Bocage tu, qu’ és Vate, és proémio

Onde mais mundo houver nesta jornada

Cantarão para sempre na alvorada

Aqueles poetas d’ alma nobre e génio

Gerando, na desgraça, em toda a idade

Enérgico sentir de felicidade

 

 

Frassino Machado

                                   In  AS MINHAS ANDANÇAS


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A TRIBUNA DOS POETAS 17
CURIOSAMENTE

Por Von Trina


Ter uma existência fútil
trivial banal
mas claro alegre
parece amenizar
quase tudo
quase todos
e transmitir confiança
serenidade respeitabilidade
e até – pasme-se – seriedade !

Assim
sou moderadamente louco
curiosamente responsável
serenamente radical.
Sério
confesso que só às escondidas
porque não quero incomodar
ser repreensível
criticável.

Pensar
só nas catacumbas da vida
nos intervalos da metafísica
no conforto da clandestinidade.
Reflectir
torna-nos
torna-vos
torna-se
dispensável dispensáveis.


Von Trina
In A DÁDIVA ASTUCIOSA DOS DEUSES
Ed. Minerva


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Terça-feira, 27 de Julho de 2004
ILUSTRES POETISAS 5 - NATÁLIA CORREIA
nataliacorreia.jpg
 
Natália de Oliveira Correia nasceu na ilha de São Miguel, Açores, em 13/09/1923 e morreu em Lisboa em 16/03/1993. Importante figura da cultura portuguesa da segunda metade do século XX, notabilizou-se como poetisa e como política, tendo sido eleita deputada pelo Partido Socialista. Obras poéticas: Rio de Nuvens (1947), Poemas (1955), Dimensão Encontrada (1957), Passaporte (1958), Comunicação (1959), Cântico do País Imerso (1961), O Vinho e a Lira (1966), Mátria (1968), As Maçãs de Orestes (1970), Mosca Iluminada (1972), O Anjo do Ocidente à Entrada do Ferro (1973), Poemas a Rebate (1975), Epístola aos Iamitas (1976), O Dilúvio e a Pomba (1979), Sonetos Românticos (1990), O Armistício (1985), O Sol das Noites e o Luar nos Dias (1993), Memória da Sombra (1994, com fotos de António Matos). Ficção: Anoiteceu no Bairro (1946), A Madona (1968), A Ilha de Circe (1983). Teatro: O Progresso de Édipo (1957), O Homúnculo (1965), O Encoberto (1969), Erros meus, má fortuna, amor ardente (1981), A Pécora (1983). Ensaio: Poesia de arte e realismo poético (1958), Uma estátua para Herodes (1974). Obras várias: Descobri que era Europeia (1951 - viagens), Não Percas a Rosa (1978 - diário), A questão académica de 1907 (1962), Antologia da Poesia Erótica e Satírica (1966), Cantares Galego-Portugueses (1970), Trovas de D. Dinis (1970), A Mulher (1973), O Surrealismo na Poesia Portuguesa (1973), Antologia da Poesia Portuguesa no Período Barroco (1982), A Ilha de São Nunca (1982).
*
 
NUVENS CORRENDO NUM RIO


Nuvens correndo num rio
Quem sabe onde vão parar?
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar!

Vais por caminhos de bruma
Que são caminhos de olvido.
Não queiras, ó meu navio,
Ser um navio perdido.

Sonhos içados ao vento
Querem estrelas varejar!
Velas do meu pensamento
Aonde me quereis levar?

Não corras, ó meu navio
Navega mais devagar,
Que nuvens correndo em rio,
Quem sabe onde vão parar?

Que este destino em que venho
É uma troça tão triste;
Um navio que não tenho
Num rio que não existe.


Natália Correia

*

AUTO-RETRATO


Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.


Natália Correia

* *

SOBRE  NATÁLIA CORREIA

«AUTO-RETRATO ALEXANDRINO»


Eu nunca fui na vida, eu nunca fui menina:
Impura sim. Eu sou a imaculada impura.
Não vesti tafetás nem chitas de candura
Nem quis vencer jamais esta invencível sina.

Foi sã minha poesia, e foi também perjura
Como uma flor-de-lis entre ascos de latrina.
Cantei ainda cedo a loa vespertina.
Se há Deus, vou-Lhe a caminho, e sinto-me segura.

Por ódio ou por amor, chamem-me louca ou bela.
Sinto a inveja e o ciúme em modos de homenagem:
Se tenho de aceitá-la, eu não me nego a ela.

Fui rainha de mim, de versos e de prosas,
E só a mim também honrei em vassalagem.
Cada espinho que fere é um sinal de rosas.


Daniel de Sá
, Poeta Português Açoreano


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Domingo, 25 de Julho de 2004
A TRIBUNA DOS POETAS 16
ORAÇÃO BUCÓLICA

Por Ângelo Rodrigues


Possuir
as águas dos regatos,
as flores dos campos...
sublimar a todos os céus
uma oração bucólica.

Saborear
incensos e cheiros silvestres,
a luz do sol namorando a manhã,
o gnomo do bosque a sorrir só para mim...
sublimar a todos os céus
uma oração bucólica.

Acariciar
os frutos das árvores de ninguém,
a lã das ovelhas de todos os rebanhos do Homem,
as penas dos pássaros que sabem de alguma Liberdade...
sublimar a todos os céus
uma oração bucólica.

Quedar-nos-emos
ao bucolismo do mundo.
Queremos reencarnar na matéria desta oração:
no possuir, no saborear, no acariciar.


Ângelo Rodrigues
In UM BAILADO NO CENTRO DA ALMA
Editorial Minerva


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A TRIBUNA DOS POETAS 15
O TEU SORRISO

Por Júlio Roberto


É a coisa mais linda
que anda no ar!

Ele é cascata, é sonho, é luar.
Ele é búzio e semente de flor.

Borboleta que voa,
erva de Verão,
fonte de ternura,
cor do teu olhar.

Ah, o teu sorriso...

Nuvem que passa,
onde eu subo
e atiro serpentinas
para o ar.

Rio que vai,
de noite e de dia,
correndo para o mar.

Ah, o teu sorriso...

É a sabedoria de saber amar! ...


Júlio Roberto
In O JARDIM DO POETA
Edições ITAU


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ILUSTRES POETISAS 4 - FLORBELA ESPANCA
FLORBELA.jpg
Florbela de Alma Conceição Espanca (1894-1930) nasceu em Vila Viçosa e faleceu em Matosinhos. Estudou em Évora, onde concluiu em 1917 o curso liceal, matriculando-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. É por essa altura que publica as suas primeiras poesias. Tendo casado várias vezes e tendo sido em todas elas infeliz, começou a consumir estupefacientes. Só depois da sua morte é que a poetisa viria a ser conhecida do grande público, tendo contribuído para isso a publicação de Charneca em Flor (1930) pelo professor italiano Guido Batelli. Das suas obras destacam-se: Livro de Mágoas (1919), Livro de Sóror Saudade (1923), Charneca em Flor (1930), Reliquae (1931), A Máscara do Destino (1931) e Dominó Negro (contos, 1931).
Na Enciclopédia Larousse, esta poetisa é definida como «parnasiana, de intenso acento erótico feminino, sem precedentes na Literatura Portuguesa. A sua obra lírica, iniciada em 1919, com o Livro das Mágoas, antecipa em seu meio a emancipação literária da mulher».


CHARNECA EM FLOR

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu bruel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade...

Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!


LÁGRIMAS OCULTAS

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!


AMAR

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois, se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...


Florbela Espanca
In CHARNECA EM FLOR




publicado por assismachado às 15:05
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