ESPAÇO COLECTIVO ARTISTICO E CULTURAL - COORDENADO PELA POETISA AMÉRICA MIRANDA - E ONDE SE INSEREM AS CONTRIBUIÇÕES DE TODOS OS TERTULIANOS, TANTO EM VERSO COMO EM PROSA, COM O OBJECTIVO DE DIVULGAÇÃO E HOMENAGEM AO GRANDE POETA ELMANO SADINO !
Quarta-feira, 29 de Novembro de 2006
LAUDATE CESARINY ! O PRÍNCIPE SURREALISTA ...

MÁRIO CESARINY | Nascimento: | 1923 Lisboa | Época: | Surrealismo | País: | Portugal | | |
Poeta e pintor português, natural de Lisboa. A sua formação artística inclui o curso da Escola de Artes Decorativas António Arroyo e estudos na área de música, com Fernando Lopes Graça. Mais tarde, viria a frequentar a Academia de La Grande Chaumière, em Paris, cidade onde conheceu André Breton, em 1947. Rapidamente atraído pelas propostas do movimento surrealista francês, tornou-se um dos mais importantes defensores do movimento em Portugal. Ainda nesse mesmo ano, integrou de corpo inteiro o Grupo Surrealista de Lisboa. Mário Cesariny, figura sempre inquieta e questionadora, afastava-se assim, de maneira definitiva, do movimento neo-realista. Passou a adoptar uma atitude estética de constante experimentação, logo visível nas suas primeiras colagens e pinturas informalistas realizadas com tintas de água, e distribuídas no suporte de forma aleatória. Seria este princípio anárquico que conduziria a obra de Cesariny ao longo da sua vida. Na sua produção poética, que o autor considerava construir a partir deste desregramento inicial das suas experiências na pintura. A continuidade das suas práticas literárias e plásticas levá-lo-ia, portanto, a seguir uma corrente gestualista, por vezes pontuada de um corrosivo humor. Dinamizador da prática surrealista em Lisboa, Cesariny iria criar «antigrupos», com a mesma orientação mas questionando e procurando um grau extremo de espontaneidade, tentativa essencialmente visível na sua obra poética. Participou, em 1949 e 1950, nas I e II Exposições dos Surrealistas, pólos de atenção e atracção de novos pintores, mas ignoradas pela imprensa.
Crescentemente dedicado à escrita, Cesariny viria a publicar as obras poéticas Corpo Visível (1950), Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano (1952), Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos (1953), Manual de Prestidigitação (1956), Pena Capital (1957), Nobilíssima Visão (1959), Poesia, 1944-1955 (1961), Planisfério e Outros Poemas (1961), Um Auto para Jerusalém (1964), As Mãos na Água a Cabeça no Mar (1972), Burlescas, Teóricas e Sentimentais (1972), Titânia e a Cidade Queimada (1977), O Virgem Negra. Fernando Pessoa Explicado às Criancinhas Naturais & Estrangeiras (1989), e a obra de ficção Titânia (1994). A edição da sua obra não segue linearmente a cronologia da sua produção. “Corpo Visível” é o volume em que as características surrealistas são já dominantes — em textos anteriores, a denúncia social aproximava-se, por vezes, do neo-realismo, embora já em “Nobilíssima Visão” esta escola fosse objecto de um olhar crítico. O humor, o recurso ao non-sense e ao absurdo, são marcas da escrita de Cesariny, de uma ironia por vezes violenta, que incide sobre figuras e mitos consagrados da cultura portuguesa e ocidental.
Da sua obra escrita sobre a temática do Surrealismo, que analisou e teorizou em vários textos, fazem parte A Intervenção Surrealista (1958), a organização e autoria parcial da Antologia Surrealista do Cadáver Esquisito (1961), a antologia Surreal-Abjection(ismo) (1963), Do Surrealismo e da Pintura (1967), Primavera Autónoma das Estradas (1980) e Vieira da Silva – Arpad Szènes, ou O Castelo Surrealista (1984). Adaptação de Assis Machado POEMÁTICA Poema
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco.
* Ao longo da muralha
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor.
E há palavras e nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além da azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar.
*
Faz-me o favor...
Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
tua boca velada
é ouvir-te já.
É ouvir-te melhor
do que o dirias.
O que és não vem à flor
das caras e dos dias.
Tu és melhor – muito melhor!
Do que tu. Não digas nada. Sê
alma do corpo nu
que do espelho se vê. * "Eu, Sempre..."
Eu sempre a Platão assisto. Pessoalmente, porém, e creia que não tenho qualquer insuficiência nisto, sou um romano da decadência total, aquela do século IV depois de Cristo, com os bárbaros à porta e Júpiter no quintal.